TI em Portugal (Parte 2)

Micael Estrázulas Vianna
6 min readApr 9, 2021

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Dando sequência a essa série que comecei a escrever para tentar ajudar quem esteja com planos de vir trabalhar em Portugal… Se não viu a parte 1, está aqui

Contratação e Visto de Trabalho

Depois de um mês fazendo processos seletivos decidi por uma empresa que me pareceu mais amigável, mesmo a proposta sendo um pouco mais baixa que uma de uma enorme consultora daqui, mas que contratava com Recibos Verdes, com contrato de permanência de 24 meses. Preferia um pouco mais de segurança à ganhar alguns euros a mais.

Aceita a proposta, enviei meus dados digitalizados para a empresa, eles me enviaram via correio um contrato de promessa de trabalho (que devolvi assinado para a empresa uma das vias) e dei entrada no visto.

Todo o valor do visto, passagem, hospedagem inicial, tudo, por minha responsabilidade. A empresa só contratou a agência que agiliza a parte do visto. Já começa aí a ter de ter dinheiro e paciência. (Eu sei, existem empresas que pagam passagem, ajudam a procurar apartamento, mas não encontrei nenhuma dessas estando no Brasil).

Meu processo de visto, como falei, demorou 4 meses (e deveria ter demorado 30). Nesse tempo meu passaporte ficou retido no consulado. Atualmente estamos em pandemia, então, muitos processos de visto estão parados a mais de um ano. Se você pretende vir pra cá, se prepare. Há muita gente com processo paralizado por conta das restrições pandémicas, isso quer dizer:

  • Muita gente tentando processo de visto
  • Muita gente tentando resolver problemas junto ao SEF que não conseguiram na pandemia (estou a 7 meses tentando agendar o meu reagrupamento familiar, e nem contacto por telefone consigo) e muita gente tentando se regularizar. Tenham idéia do número de atendimentos crescente no sef
Evolução na quantidade de atendimentos do SEF [fonte]

Em 5 de Setembro de 2019 cheguei a Lisboa e comecei a trabalhar na consultora dia 15. Tive 10 dias para procurar um quarto, conhecer um pouco da cidade e comprar coisas que havia deixado no Brasil.

Primeiro emprego, primeiras impressões

Como comentei acima, meu primeiro emprego cá em Portugal foi numa consultora qualquer. Não vou expor o nome, mas quem quiser saber pode ir no meu LinkedIn conferir.

Ao chegar, processo de onboarding normal, e já fui colocado em uma sala onde os novatos chegam. Chamava junto a um amigo de Recife recém chegado da Republica Checa esta sala de galinheiro. Era uma sala apertada, quente (o calor de Lisboa pode ser cruel) e normalmente cheia de brasileiros recém chegados ou de pessoas que estavam entre mudança de projetos.

Nesta sala a malta trabalha normalmente em projetos internos (testando coisas, projetos legados, projetos sem importancia, só para não ficar sem fazer nada) enquanto os managers tentam vender teu corpo para os clientes. Havia de tudo, devs Angular, React, Java, C#, PLSQL, iOS, Android, de tudo mesmo. A impressão que dá é que estas consultoras de outsourcing quando vêem um perfil razoavel e que aceite os termos, contratam e depois dão um jeito de tentar alocar em algum projeto.

Com meu perfil mais sênior e com experiencia em arquitetura, fui colocado em um projeto Nearshore de 3 meses de duração, com muita pressão, nada muito diferente do Brasil (levantava requisito, programava, escrevia documentação, participava de reunião, tudo por um salário de programador Junior). Enquanto isso, os managers disputavam meu adorável CV para me vender nos clientes que pagavam mais, cheguei a fazer 5 processos seletivos (sim, cada cliente tem seu processo seletivo para os outsourcings) em uma semana. Me sentia um produto, eles me pegavam, me levavam para uma empresa (ou outra consultora, pois aqui além de tercerização, temos quarteirização e quinteirização — imagine quanto que eles ganham em cima da sua alma), me vendiam, e se aceitassem, tocavam um SINO (SIM, eles comemoram tua venda!).

Depois de ver colegas de trabalho serem alocados em projetos péssimos e fui alocado em um projeto em um grande banco francês, e aí meus problemas começaram…

O Banco

Me venderam: Precisamos de um programador senior, que tenha experiência em microservices, melhoria de qualidade de código, definição de arquitetura, que possa trazer experiência e melhorias nos processos internos.

O produto: Projeto sem arquitetura de software definida, terrível manutenção, líder técnico incompetente (e não é birra), boicote ao meu trabalho, projeto não escalável, sem visibilidade alguma, código de péssima qualidade. O projeto tinha 1 ano e meio e era pior que legado de 10 anos que tive de trabalhar no Brasil! #socorro

No fim, passei 9 meses tentando demonstrar que o projeto era terrível, propus melhorias e nesse período não conseguimos fazer nenhuma release. 9 meses sem entregar nada ao cliente.

Nestes 9 meses estavamos a trabalhar em correções ou manutenção em código complexos que poderiam ser uma biblioteca já pronta na comunidade. O projeto demorava 15 minutos para subir localmente, se fazia integrações entre serviços usando REST com mais de 60mb de JSON passando de um lado para o outro, se reinventava a roda para tudo. Fingiam trabalhar com agile, um pesadelo.

Tudo é customizado, então, nada é customizado

Me desesperei e tentei melhorar o processo, tentei fazer mudanças, negociar, e aos poucos fui sendo barrado pelo líder técnico, no final, já fazia trabalho de estagiário (lembre, tenho 20 anos de experiência, vinha de um papel de arquiteto de microservices). Pedi a consultora diversas vezes para me tirar do projeto, mas eu era muito lucrativo pra eles lá.

Resultado? Estive a beira de um burnout, e ainda bem que fui trabalhar de home office por conta da pandemia. Quando completei 1 ano na na consultora (período do contrato), pedi demissão. Já tinha feito processo seletivo em uma empresa que um amigo me indicou e que é onde estou hoje, satisfeito. Na minha saída, outros 2 desenvolvedores sairam (eramos 3 mais o líder técnico… significa algo?).

Desligamento

Merece um capítulo a parte pois aqui há coisas importantes.

Primeiro, ao pedir desligamento, o Business Manager tentou me convencer a ficar, me fez temer ser demitido na nova empresa por conta da pandemia ou que podia ser um projeto horrível como o que estava, prometeu mundos e fundos, mas um aumento de salário prometido já não havia sido cumprido (e um bónus de €500 também estava a mais de 3 meses atrasado), a falta de apoio no problema que estava a ter no projeto e obviamente um salário mais atrativo (eles tentaram cobrir a oferta com 200 euros a menos). Ao não aceitar, mudou o tom, e disse que eu devia cumprir 60 dias de aviso prévio e que eles não iriam abrir mão disso e nunca mais falou comigo.

Ok, no problem. Enviei a carta de demissão para o CEO da empresa, que me ligou, dizendo:

Você só pensa em dinheiro, os Brasileiros são assim. Estou desapontado contigo. (meu caro, eu tenho contas a pagar, cumpri o 1 ano de contrato mesmo recebendo um salário abaixo do mercado para meu perfil, vocês não estão cumprindo o prometido, então, agora tchau!).

Cumpri os 60 dias e no fechamento de contas, não percebi que não me pagaram as horas de treinamento que por lei eu devo fazer (são treinamentos em horário laboral que devem ser feitos todo ano, se não fizer, eles devem pagar no fim do contrato). Perdi o dinheiro, mas, estava livre, legalizado e agora indo para um cliente final, não uma consultora.

Um detalhe importante: Muitas consultoras QUINTEIRIZAM os funcionários. Eles te levam a outra consultora, que te leva a outra consultora, que te coloca em um cliente. É a forma mais fácil de vir, é a forma que a maioria das pessoas conseguem contrato, mas fique de olhos abertos, há muita exploração nesse mercado.

Outra questão é:

Aprenda a dizer não

Sou programador backend e tentaram me vender para um cliente front-end, recusei. Eles tem muitas vagas e os managers querem te alocar o mais rápido possível para ligarem o taxímetro.

No próximo artigo pretendo falar sobre o novo emprego, os desafios na pandemia e o assédio de recruiters. Caso tenham dúvidas, deixem nos comentários.

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Micael Estrázulas Vianna

Software engineer, working with Java, Spring and many cool things